quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Num inusitado carro (a outra versão)

Mas que dia quente em plena correria de compras. Afinal, era antevéspera de Natal. Pena que estava impossibilitado de conviver com esse clima devido a um acidente de trânsito sofrido no mês anterior. Não tinha como andar livremente porque só conseguia me locomover de muletas com muita dificuldade. Depois de sair da fisioterapia, veio a oportunidade de comandar novamente o volante de um carro.

Era uma BMW, uma Ferrari ou um simples veículo popular? Nada disso. Estava no banco de um carrinho utilizado por deficientes físicos, oferecido pelo supermercado que havia ido junto com o meu pai. De longe, lembrava o ambiente de um automóvel. Em vez dos lugares para os passageiros, o possante tinha apenas o espaço do piloto e uma cestinha para carregar as mercadorias escolhidas.


As ruas com prédios, estabelecimentos e residências deram lugar aos corredores recheados de prateleiras. De semelhante, só havia a chave para ligar o carro. Assim, dei partida nele e fui para o meu primeiro passeio desde o desastre. Andava pelo supermercado que nem uma criança feliz da vida atrás de brincadeiras. O acelerador ficava num botão que apertava com o dedo indicador direito. A marcha ré era feita com o mesmo dedo esquerdo. Só havia um grande problema. Onde estva o freio?

Senti tanta a falta de um mecanismo para parar o carro num momento de emergência. Afinal, a tamanha quantidade de clientes mais parecia o trânsito congestionado das grandes vias paulistanas. Como não conseguia frear o meu meio de locomoção, veio o primeiro acidente após o desastre que me deixou com a perna imobilizada e depois sem parte dos movimentos.

O jeito atrapalhado de conduzir o veículo me fez acertar as pernas de uma típica dona de casa, com lista na mão, carrinho de supermercado cheio de compras e com um monte de filhos. Três no total. Quando fiz isso, a vítima estava de costas. O jeito foi disparar automaticamente:

- Filha, você não tem cuidado com as compras e com sua mãe?

Imediatamente ela percebeu que eu era o responsável pelo descuido quando se virou. A fisionomia dela mudou completamente. De brava, passou para uma cara de surpresa. Em seguida, falou novamente num tom sem graça:

- Desculpe. Pensei que fosse uma de minhas filhas, mas não um deficiente.

O jeito foi responder com bastante agilidade:

- Tudo bem. Mas graças a Deus a deficiência é temporária.

Logo depois, voltei para o conturbado movimento do fim-de-ano. Aos poucos, aprendi a controlar a velocidade do meu temporário meio de locomoção. Consegui evitar novas colisões. Porém, os fatos inusitados continuavam a surgir. Enquanto estava estacionado ao lado dos panetones, um menino de aproximadamente quatro anos se aproximou:

- Por que o tio gosta de andar de carrinho que nem a gente?

Não tive como ignorar a criança, após dar risadas por conta da sinceridade infantil:

- É, o tio quer brincar bastante hoje aqui. Você faz isso na sua casa?

- Eu tenho uma moto que brinco no quintal com o Davi, disse o garotinho, que talvez tenha se referido a um amigo, seu irmão ou um primo.

Com o panetone escolhido, voltei a percorrer os corredores. Novamente ao lado do meu pai, o rumo agora era um dos inúmeros caixas de pagamento. Ao contrário de ir ao destinado para os deficientes, resolvemos enfrentar a fila convencional para os clientes com até 20 itens. Desta vez, o problema foi manobrar o carro para poder passar.

Se fosse num trânsito convencional, seria chamado de barbeiro, pois havia batido diversas vezes nas prateleiras das promoções. Como estava na condição de deficiente temporário, um rapaz tomou uma iniciativa:

- Espera que eu te ajudo a passar.

A atitude solidária deste jovem levou outros homens a me auxiliar. Eles levantaram o carro numa posição que conseguiria passar. Assim, agradeci e paguei as minhas compras.

O fato ter passado por dificuldades ou mesmo algumas situações inusitadas ajudaram a dar um tom mais alegre para o meu primeiro passeio pós-acidente. Na verdade, pensei que seria menos divertido. O clima descontraído também me deu forças para enfrentar novas investidas nos corredores do supermercado, após devolver o principal companheiro dessa aventura e receber de volta o par de muletas responsável pela minha locomoção.

Nenhum comentário: