A volta para casa
Fazia muito tempo que não passava por aqui. Na verdade, estava um tanto atarefado por ter viajado a Brasília. Uma mescla de passeio, serviço e busca de conhecimentos num congresso onde pude acompanhar palestras com grandes autoridades do ramo automotivo e da economia brasileira, com direito a assistir a uma apresentação do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Minha ideia inicial era contar algumas histórias cronologicamente, mas farei de forma contrária porque um fato me chamou a atenção durante meu voo de volta a São Paulo.
Ou seja, relatarei de trás para frente porque o último acontecimento foi o que mais marcou minha memória. Ao embarcar no avião, fui logo em busca da numeração da minha poltrona. Encontrei imediatamente o meu lugar anotado. Ao avistar minha cadeira, também vi uma jovem moça sentada ao lado de onde iria me acomodar. Uma bonita mulher, com pele clara e longos cabelos morenos. Assim, ela iria me acompanhar ao longo de todo o caminho de retorno à capital paulista.
Até aí tudo bem, mas imediatamente notei uma fisionomia tensa e carregada de nervosismo. Por enquanto, nada demais, afinal não a conhecia e muito menos queria saber os problemas dela. Momentos antes da decolagem, a mesma moça recebeu um telefonema no seu celular. Neste momento, percebi que não havia desligado o meu aparelho. Ao tentar fazer isso, ela me pediu gentilmente para não desativá-lo e anotar um número. Fiz isso e depois passei a combinação.
Desta forma, recebi o esperado agradecimento dela. Em seguida, a jovem fez outro telefonema. O conteúdo da conversa também era tenso, mas não fiz a menor questão de prestar atenção. Cada um com seus problemas, não é mesmo? Logo em seguida, ela desligou seu celular porque o avião iria decolar rumo a São Paulo. Mesmo assim, a fisionomia dela permaneceu com um certo ar de sofrimento.
A partir de então, essa situação toda começou a despertar o meu interesse. Não nela, mas queria saber o que acontecia. Quando a aeronave deixou o solo, notei um certo aumento de sua aflição. A jovem se mexia muito, balançava a cabeça de um lado para o outro e procurava uma melhor acomodação em demasia. Não tinha como eu não ficar curioso, porém mantive a compostura e a descrição na minha poltrona.
Até admiti que tudo iria passar. Talvez seria uma agitação por medo de avião ou coisa parecida. Mas isso não ocorreu. Tudo piorou depois do comandante ter informado que a aeronave atrasaria a chegada a São Paulo. A partir daí, foi inevitável. A bonita morena começou a chorar demais, mas sem fazer escândalo. A cada segundo, o nervosismo crescia no seu corpo. Até aventei a possibilidade dela passar mal por conta desse clima tenso instalado nela.
Devido a uma grande preocupação, deixei de fingir uma certa indiferença. Não tinha como ignorar aquele momento. Então, preferi evitar o pior e, por um pouco de humanidade, perguntei se tinha acontecido algo. A resposta foi positiva. Logo em seguida, ela descartou que o motivo era medo de avião ou coisa parecida.
Então, pedi desculpas por me intrometer na situação e expliquei os motivos da minha abordagem. Contei que havia percebido um alto grau de nervosismo nela durante a viagem e estava com medo da possibilidade dela passar mal. Com isso, a jovem me detalhou o porquê da sua agitação. Revelou que a sua avó estava internada na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo.
Em razão desse problema, a moça precisou viajar com urgência. No decorrer da conversa, também falou sobre a necessidade de transferência imediata da sua avó, de UTI aérea, para a capital paulista. O nervosismo era gerado pela ansiedade de saber sobre o estado de saúde de sua ente querida. No avião, ela não conseguia notícias porque precisou desligar o celular.
No decorrer do diálogo, a jovem explicou que precisou se deslocar rapidamente porque sua mãe havia acompanhado o transporte da avó até o hospital paulistano. Para dar o apoio à família, enfrentou uma série de conexões nos aeroportos para chegar rapidamente a São Paulo. A moça vive no Mato Grosso, mas não mencionou a cidade onde vivia.
Mas também eu nem perguntei porque preferi deixá-la a vontade para falar o que queria. Exagerei tanto nisso, pois eu nem mesmo sei o nome dela. Ela detalhou que a avó havia passado por um transplante de rim e o mau súbito ocorreu devido a complicações. Apenas pedi para ela se acalmar como forma de não passar mal. Por outro lado, a minha abordagem e a conversa alcançaram o objetivo. O breve bate papo serviu para desabafar. Foi como se tivesse descarregado um enorme peso das costas.
O jeito foi desejar que tudo daria certo. Como resposta, ela agradeceu e sorriu pela primeira vez desde o início da viagem. Foi uma recompensa, pois a fisionomia não era mais de tanto sofrimento por um breve momento. Em seguida, o comandante anunciou o início do pouso no Aeroporto de Congonhas. Todos se prepararam para a manobra. A conversa se encerrou desde então.
Ao abrir as portas da aeronave, a jovem matogrossense deixou as dependências rapidamente em busca das notícias da sua avó. Assim, eu a perdi de vista de vez. Com toda essa história, deu vontade de ligar para minha avó. E fiz isso talvez por ter batido um peso na minha consciência. No mesmo dia, ela havia me telefonado atrás de notícias minhas, mas fui obrigado a interromper a ligação porque estava no meio de uma entrevista ainda em Brasília.
Pode parecer demagogia, mas nesse caso não houve aquele interesse natural de um homem numa mulher. Só tinha e ainda tenho a vontade de saber informações sobre o estado de saúde da avó da jovem moça do voo de volta para casa. Dificilmente, conseguirei isso. Porém, o importante de tudo foi ter feito uma boa ação para alguém que realmente necessitava. Tomara que seja lembrado por isso.
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